O Brasil é um país voltado para o passado, vive o presente, mas olhando para (e penando com) as dívidas acumuladas no passado. O “país do futuro” parece se recusar a virar a cabeça para as próximas décadas e as novas gerações. As maiores energias despendidas pela sociedade e pelo Estado são para saldar nossas várias dívidas – financeiras, sociais e até políticas – acumuladas ao longo de décadas de descontrole econômico e descaso social, ampliadas pelo excesso de generosidade dos nossos legisladores. O governo brasileiro (apenas a União) vem gastando, por ano, cerca de 4,7% do Produto Interno Bruto com juros da dívida (dado de 2009), nada menos que R$ 146,4 bilhões, gastou mais de 9,5% do PIB com a Previdência Social (R$ 300 bilhões, tendo um déficit de R$ 41,5 bilhões), e mais de R$ 31,4 bilhões com a assistência social em geral (sendo R$ 12 bilhões apenas do programa Bolsa Família), além disso, o governo federal ainda gastou, até agora, mais de R$ 1 bilhão para compensação às vítimas da repressão na ditadura (valor relativamente pequeno, mas muito simbólico do olhar para o passado).
Enquanto isso, os recursos públicos escasseiam para investimentos em áreas estratégicas que preparam e constroem o futuro da nação. O governo federal destinou, em 2009, apenas R$ 57 bilhões para a educação, pouco mais de 1,82% do PIB brasileiro, quase seis vezes menos que os gastos com Previdência, o passado comendo o futuro. Com o pagamento dos juros, os gastos da Previdência e as distribuições de renda da assistência social, o governo federal comprometeu 15,21% do PIB (quase R$ 500 bilhões por ano). Deve ser considerado também que grande parte dos gastos com saúde está voltada para o passado, ou para tratamento no presente de problemas de saúde pública acumulados, da mesma forma que parcela dos dispêndios com habitação e urbanismo.
E o futuro? “Bem, o futuro fica para o futuro, quando ele chegar nós pensaremos nele.” Esta é a visão míope e imediatista que domina na sociedade brasileira e nas lideranças políticas do País, dentro e fora do governo, cada segmento querendo tirar o pedaço do presente. Os gastos mais importantes da dívida com o passado têm elevada rigidez à baixa e são muito difíceis de equacionar e reformular por absoluta falta de base e disposição política e restrições do mercado financeiro. Alguns, como a Previdência Social, tendem a se ampliar com o tempo, na medida em que a população envelhece e a relação contribuinte/beneficiário declina. Os juros da dívida podem declinar se o governo ampliar o superávit primário, reduzindo gastos em outros itens, mas a tendência do governo parece ser na direção contrária, aumentando gastos e, principalmente, a assistência social para atender e silenciar o passado.
O Brasil precisa de um grande acordo político para inverter o olhar dos brasileiros e das instituições governamentais. Primeiro, um entendimento com os grandes credores da União (portadores de títulos da dívida que vencem, em média, em três anos) para suspender, digamos, 10% dos encargos, jogados para daqui a 20 anos, isto poderia representar uma injeção adicional de recursos para a educação de quase R$ 15 bilhões por ano. Segundo, uma reforma drástica da previdência para impedir o crescimento exponencial das despesas e do déficit, centrando nos elevados benefícios e nas antecipações de aposentadorias (um declínio de 5% dos dispêndios com os aposentados representaria mais R$ 15 bilhões para a educação). Terceiro, na assistência social, substituindo os milhões de bolsistas por trabalhadores mobilizados nos investimentos e gastos em educação ou transformados em estudantes em escolas de qualidade. Com iniciativas destas, em pouco tempo, o governo federal pode quase dobrar os gastos com educação, chegando perto de R$ 100 bilhões por ano, claro que teria também que gastar melhor e não apenas aumentar os valores.
Podemos duvidar da viabilidade de medidas como essas. Mas o Brasil precisa, com urgência, virar a cabeça, ficar de frente para o futuro concentrando os esforços e energias na construção de uma nova nação. E o passado? Bem, o passado é história.Cristovam Buarque é Senador pelo DF, escritor, professor e ex-ministro da Educação.
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