Moacyr Jaime Scliar nasceu em 23 de março de 1937, em Porto Alegre.casou-se com com Judith, com quem teve um filho, Roberto. Seus pais, José e Sara Scliar, vind da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, era especialista em Saúde Pública e Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública, tendo exercido a profissão junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência.
O Escritor Scliar faleceu no dia 27 de fevereiro de 2011,na madrugada, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) que provocou uma falência múltipla de seus órgãos.
Aqui segue-se uma das minhas crônicas favoritas do Moacyr Scliar. O interessante é que a maioria das crônicas do escritor são baseadas em fatos cotidianos próximos de nossa realidade. Mesmo assim, seus textos apresentam um tom fantasioso que enriquecem suas obras e lhes deixam mais divertidas e de fácil leitura.
De Volta ao Primeiro Beijo
"O primeiro beijo é uma coisa muito falada. Sem dúvida é uma experiência muito marcante, inesquecível. O primeiro beijo é uma maturação, uma descoberta. Ao mesmo tempo, para alguns, ele pode ser um monstro assustador", diz o cineasta Esmir Filho, diretor de "Saliva". O filme conta como Marina, uma garota de 12 anos, é pressionada a dar o seu primeiro beijo no experiente Gustavo.
Tinha acabado de ler a matéria sobre o primeiro beijo, no pequeno apartamento em que morava desde que ficara viúvo, anos antes, quando (coincidência impressionante, concluiria depois) o telefone tocou. Era uma mulher, de voz fraca e rouca, que ele de início não identificou: - Aqui fala a Marília -disse a voz. Deus, a Marília! A sua primeira namorada, a garota que ele beijara (o primeiro beijo de sua vida) décadas antes! De imediato recordou a garota simpática, sorridente, com quem passeava de mãos dadas. Nunca mais a vira, ainda que freqüentemente a recordasse -e agora, ela lhe ligava. Como que adivinhando o pensamento dele, ela explicou: - Estou no hospital, Sérgio. Com uma doença grave... E queria ver você. Pode ser? - Claro -apressou-se ele a dizer- eu vou aí agora mesmo. Anotou rapidamente o endereço, vestiu o casaco, saiu, tomou um táxi. No caminho foi evocando aquele namoro, que infelizmente não durara muito tempo -o pai dela, militar, havia sido transferido para o Norte, com o que perdido o contato -mas que o marcara profundamente. Nunca a esquecera, ainda que depois tivesse beijado várias outras moças, uma das quais se tornara a sua companheira de toda a vida, mãe de seus três filhos, avó de seus cinco netos. E não a esquecera por causa daquele primeiro beijo, tão desajeitado quanto ardente.
Chegando ao hospital foi direto ao quarto. Bateu; uma moça abriu-lhe a porta, e era igual à Marília: sua filha. Ele entrou e ali estava ela, sua primeira namorada. Quase não a reconheceu. Envelhecida, devastada pela doença, ela mal lembrava a garota sorridente que ele conhecera. Consternado, aproximou-se, sentou-se junto ao leito. A filha disse que os deixaria a sós: precisava falar com o médico.
Olharam-se, Sérgio e Marília, ele com lágrimas correndo pelo rosto. - Você sabe por que chamei você aqui? -perguntou ela, com esforço. - Porque nunca esqueci você, Sérgio. E nunca esqueci o nosso primeiro beijo, lembra? Na porta da minha casa, depois do cinema... - Claro que lembro, Marília. Eu também nunca esqueci você... - Pois eu queria, Sérgio... Eu queria muito... Que você me beijasse de novo. Você sabe, os médicos não me deram muito tempo... E eu queria levar comigo esta recordação...
Ele levantou-se, aproximou-se dela, beijou os lábios fanados. E aí, como por milagre, o tempo voltou atrás e de repente eles eram os jovenzinhos de décadas antes, beijando-se à porta da casa dela. Mas a emoção era demais para ele: pediu desculpas, tinha de ir. A filha, parada à porta do quarto, agradeceu-lhe: você fez um grande bem à minha mãe. E acrescentou, esperançosa: - Acho que ela agora vai melhorar. Não melhorou. Na semana seguinte, Sérgio viu no jornal o convite para o enterro. Mas, ao contrário do que poderia esperar, apenas sorriu. Tinha descoberto que o primeiro beijo dura para sempre. Ou pelo menos assim queria acreditar.
Autor da Crônica: Moacyr Scliar