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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Um texto da incrível Malu Fontes


Por Viny Amaral


Por que não te calas ?



No cenário político midiático internacional não tem para mais ninguém, sobretudo agora que Fidel Castro definha e se limita a aparições esporádicas e declarações curtas, fazendo com que se torne visível pelas cores fortes dos agasalhos Adidas dos quais talvez seja o mais eficiente garoto-propaganda. O nome político da vez é Hugo Chávez, que faz a linha ame-o ou odeie-o e exercita cada vez mais suas técnicas de cutucar com vara curta chefes de Estado ou lideranças políticas que lhe lancem qualquer bola de provocação. Para o deleite dos telespectadores de todo o mundo, esta semana quem perdeu a paciência com o líder bolivariano e suas falas nem um pouco politicamente comedidas foi o rei da Espanha, Juan Carlos. Até então, o rei era visto como um chefe de Estado fleumático e dotado do fair play exigido dos nobres de todo o mundo, sobretudo quando em público. Citando seu assunto preferido, o golpe de Estado do qual foi vítima em 2002 e que o manteve afastado do poder durante dois dias ˆ fato que, verdade seja dita, pouquíssimos veículos de imprensa brasileiros cobriram com isenção e muitos até hoje nunca fizeram referência ao fato real como se deu, narrado em detalhes no documentário irlandês A revolução não será televisionada -, o presidente venezuelano atacou o ex-premiê da Espanha, José Maria Aznar, representante da fina flor do conservadorismo espanhol. A contenda se deu na 17ª Cúpula Ibero-Americana, realizada em Santiago (Chile), no final de semana. Chávez chamou Aznar de fascista e foi advertido pelo atual premiê da Espanha e opositor ideológico de Aznar, José Luis Zapatero. Como a sua natureza não é a do tipo que silencia quando advertido dos excessos, prosseguiu nas afirmações, tirando o rei do sério e levando-o a quase gritar: por que não te calas?

CELULARES – A frase ordenativa e a reação de Chávez, impassível, roubou a cena da conferência, transformando-se em seu ponto alto e, em tempos de Internet, Google e You Tube, virou sucesso internacional, com milhões de pessoas baixando o áudio da voz do rei e transformando-o em som de celulares em todo o mundo. Em outras palavras, em tempos de tecnologia globalizada, tudo o que cai na rede vira hit e a política se desmancha em humor e espetacularização, assim como seus personagens. Perspicaz e há muito consciente das estratégias do uso da mídia a seu favor, Chávez tem explorado ao máximo o bafafá. Primeiro, declarou que estranhou muito o esquerdista Zapatero defender Aznar apenas por terem em comum a nacionalidade: “então, não se pode falar de Hitler porque é um ataque ao povo alemão?”, perguntou. Para contra-argumentar com o rei, Chávez deslocou o assunto para velhas questões históricas e mal resolvidas do passado colonialista espanhol na América Latina e se referiu aos espanhóis que decapitavam o povo venezuelano, há 500 anos, para que este não falasse. Na lata, referiu-se ao rei nos seguintes termos, não sem antes acusá-lo de saber com antecedência da tentativa de golpe venezuelano em 2002 e apoiá-lo: “A fúria imperial, a arrogância do rei reflete 500 anos de prepotência”, afirmou. Ironizou Juan Carlos, a quem pediu paciência, e avisou-lhe que a América Latina está mudando de rosto político.

CARAJO, DIABO E ENXOFRE – O bate-boca se transformou em um bafafá internacional e em um imbróglio diplomático não apenas entre a Venezuela e a Espanha. Sobrou para o Chile, pelo simples fato de sediar a cúpula. Apesar da fala do rei se transformar em mantra em celulares do mundo, Chávez não fez nada de diferente do que costuma fazer e dizer em encontros internacionais e ambientes diplomáticos. Em plena assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU), fez referências a George Bush que fizeram o mundo gargalhar. Como o presidente norte-americano havia discursado na véspera na assembléia, Chávez não pensou duas vezes e disse que, como o diabo havia estado ali há apenas um dia, o ambiente ainda estava cheirando a enxofre. Quando o Congresso Nacional brasileiro tomou as dores da emissora de TV venezuelana que não teve a concessão renovada por ter atuado como núcleo de articulação do golpe de 2002, chamou os parlamentares brasileiros de macacos amestrados do governo americano. E quem não lembra quando Chávez entoou feito mantra uma frase de efeito contra a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)? “ALCA, ALCA, ALCA, al carajo”.

MANIPULAÇÃO GRÁFICA – Para encerrar a contenda com chave de ouro, o presidente Lula declara na edição de quarta-feira do Jornal Nacional: “A questão é que quem disse isso foi um rei. Entre nós, divergimos muito, mas nos entendemos. Mas foi um rei”. Esse “nós” remete certamente aos mortais comuns. Para autoproclamar-se ralé foi um pulo. Chávez , por sua vez, está pouco se lixando para a condição de monarca ou não: “já ficamos calados tempo demais”. A mídia brasileira, no entanto , continua insistindo em chamá-lo de ditador, ignorando que todos os seus mandatos foram obtidos em eleições livres. Há poucos dias, a revista Época chegou ao ponto de produzir uma capa com o rosto do presidente venezuelano desfigurado por efeitos gráficos e a seguinte chamada: o Brasil deve ter medo dele? O texto interno remete a humor, ao dar ênfase a um potencial conflito militar; sim, uma guerra, entre o Brasil e a Venezuela, que, sob Chávez, estaria se armando para ameaçar a liderança brasileira na América Latina. Já para os repórteres dos telejornais da Globo, Chávez nunca faz declarações. Diz ‘bravatas’. Periga agora adotarem como legenda nas matérias sobre ele a pergunta do rei espanhol: por que não te calas?

(Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 18 de novembro de 2007 no Jornal A TARDE, de Salvador/BA)

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